Tecnologia falha ao reproduzir tons de pele escuros em avatares digitais
Pesquisa premiada em conferência internacional revela distorções em personagens negros e sugere soluções para maior equidade visual no ambiente virtual

Avatares digitais, também conhecidos como humanos virtuais ou modelos 3D criados para representar pessoas, estão cada vez mais presentes em jogos, experiências em realidade virtual, efeitos visuais no cinema e até campanhas publicitárias. Seu desenvolvimento se apoia em ferramentas como Unreal Engine e Metahuman Creator, que permitem criar figuras com textura de pele realista, expressões naturais e movimentos refinados. No entanto, essa promessa de realismo ainda não contempla a todos de maneira igualitária.
A renderização de diferentes tonalidades de pele, especialmente as mais escuras, continua apresentando limitações técnicas que afetam a fidelidade visual desses personagens. Tal deficiência compromete a inclusão e dificulta a representação justa e precisa de pessoas negras em espaços digitais. Foi com esse foco que estudantes da Universidade Tiradentes (Unit) iniciaram uma pesquisa de Iniciação Científica para investigar como os tons de pele interferem na representação gráfica de personagens virtuais e de que forma essas distorções podem ser quantificadas e corrigidas.
O projeto reúne os estudantes João Vitor Rezende Moura, Helena Carvalho Leal e Erick Marck de Barros Menezes, do curso de Ciência da Computação da Unit, sob orientação do professor Victor Flávio de Andrade Araújo, da Unit, e coorientação da pesquisadora Soraia Raupp Musse, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). João Vitor conta que o estudo partiu do desejo de compreender como as diferentes tonalidades são tratadas no processo de renderização. “Nosso objetivo foi medir as alterações que ocorrem nas cores da pele sob diferentes condições visuais e sugerir parâmetros mais justos e precisos”, relata.
Investigando os vieses dos algoritmos
A pesquisa utilizou os programas Unreal Engine e Metahuman Creator para criar 80 modelos faciais com variadas tonalidades de pele. A partir dessas imagens, o grupo aplicou técnicas de estatística, inteligência artificial e visão computacional para avaliar métricas como RGB Mean, Histogram Entropy e Intensity Median. “Essas ferramentas foram essenciais. Mesmo sem experiência anterior, conseguimos nos preparar com o apoio do orientador e aplicamos métodos rigorosos para garantir a qualidade da análise”, explica João.
Um dos grandes desafios do grupo foi definir indicadores que conseguissem capturar as diferenças entre os tons de pele. Helena Carvalho relata que foi necessário testar diversos métodos e algoritmos estatísticos. “Usamos PCA, K-means, ANOVA, e criamos gráficos para verificar quais variáveis melhor distinguiam os tons medianos. A mediana da intensidade foi a mais eficaz nesse processo”, diz. Erick completa: “Precisamos padronizar a geração dos 80 personagens, escrever s para automatizar a análise e interpretar resultados inesperados que mostraram falhas significativas nas tonalidades mais escuras”.
As distorções e o desafio da representatividade
Os dados mostraram que os tons de pele mais escuros apresentaram maior distorção, o que, para Erick, evidencia uma limitação técnica importante: “As tonalidades escuras foram renderizadas de maneira equivocada, às vezes até parecendo mais claras do que os tons medianos. Isso demonstra um viés técnico, não apenas perceptivo”. Apesar de sutis, essas falhas têm grande impacto. Em ambientes digitais, onde a identidade visual é essencial, uma má representação pode resultar em exclusão. “Isso dificulta a identificação de pessoas negras com seus avatares, reduz o engajamento e pode passar uma mensagem implícita de desvalorização”, observa Helena.
João Vitor acrescenta que essa limitação também pode prejudicar a autenticidade em obras audiovisuais, afastando o público. “Nosso orientador inclusive desenvolveu um estudo que comprova que personagens com pele escura acabam sendo representados de forma mais caricata, devido à dificuldade de reproduzir fielmente essas tonalidades sem distorções”, comenta.
A pesquisa também mostra que esse viés se reflete em outras áreas, como ações publicitárias com modelos digitais ou experiências em realidade aumentada. Um erro na renderização compromete a experiência e pode afetar negativamente a imagem de empresas que não observam a diversidade de forma apropriada. “A tecnologia deve representar a todos com exatidão e justiça. Quando alguém não se reconhece em um personagem de jogo, ou uma empresa projeta imagens distorcidas de pessoas negras, isso afeta diretamente a inclusão”, destaca Erick.
Além da crítica, o grupo propõe soluções. Com base nos dados obtidos, a ideia é colaborar para o aprimoramento de algoritmos mais precisos, que consigam ajustar a renderização de maneira justa. “Queremos demonstrar como variáveis como iluminação e o ambiente visual afetam a percepção dos tons de pele, podendo inclusive alterar como essas tonalidades são interpretadas. Nosso propósito é desenvolver modelos mais abrangentes, que levem em conta o comportamento da luz sobre a pele”, pontua João Vitor.
Reconhecimento internacional
O impacto da pesquisa ultrapassou o ambiente universitário. O pôster "Evaluating Skin Tone Biases in Virtual Human Rendering" com os principais achados da pesquisa foi selecionado para apresentação no SIGGRAPH 2025 (Grupo de Interesse Especial em Gráficos e Técnicas Interativas), que aconteceu entre os dias 10 e 14 de agosto, em Vancouver (Canadá), e é considerado um dos eventos mais importantes da área de computação visual no mundo. “A aceitação nesse evento coloca a universidade e nosso trabalho ao lado de pesquisadores de ponta e reforça o valor das descobertas. O SIGGRAPH é um espaço para mostrar ferramentas, técnicas e inovações que influenciam diretamente o desenvolvimento tecnológico global”, avalia João Vitor.
A criação do pôster exigiu bastante revisão e refinamento. Helena conta que foram feitas diversas alterações no texto inicial. “A ênfase nas figuras de intensidade mediana foi decisiva, pois é essa métrica que mostra claramente as discrepâncias entre os tons de pele”, explica. Erick acrescenta que o grupo focou na força visual do material, usando imagens dos rostos para apresentar o tema de forma direta e gráficos como principais evidências da descoberta.
“O SIGGRAPH representa o auge da computação gráfica. É onde os grandes nomes da indústria e da academia exibem os avanços mais recentes em efeitos visuais, games, VR, animações e IA. Se você já viu um efeito impressionante em um filme da Marvel ou em uma animação da Pixar, provavelmente ele passou por esse evento. Ter nosso trabalho aceito foi uma enorme alegria e uma conquista marcante. Estar no SIGGRAPH abre portas tanto para o futuro acadêmico quanto para oportunidades no mercado”, finaliza Erick.
Desdobramento e bolsa
A partir deste poster apresentado no SIGGRAPH 2025, Erick Menezes desenvolveu junto com o professor Victor Araújo um segundo projeto, focado na criação e análise de um banco de dados de humanos virtuais realistas com variações sistemáticas de cor da pele, gênero, emoção e iluminação. Ele acaba de ser contemplado com uma bolsa de iniciação científica concedida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Neurociência Social (INCT-Sani), grupo especializado em pesquisas sobre a relação entre processos neurais e sociais. A pesquisa contemplada pela bolsa será desenvolvida a partir deste mês de setembro, com duração de um ano.
“Ser bolsista de um INCT, como o Sani, é um reconhecimento significativo do trabalho que estamos desenvolvendo e nos conecta a uma rede de pesquisadores de excelência em todo o país. Trabalhar diretamente com a professora Soraia Musse, que é uma pesquisadora extremamente reconhecida na área de computação gráfica e simulação de multidões, é um privilégio. O nível de exigência e a qualidade do trabalho desenvolvido sob sua orientação certamente abrirão portas, tanto na academia, para um futuro mestrado ou doutorado, quanto no mercado de trabalho, em empresas que atuam com tecnologia de ponta”, cita Menezes.
Além do INCT, composto por universidades como as de São Paulo (USP), Brasília (UnB), PUC de São Paulo (PUC-SP) e as federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do ABC Paulista (UFABC), o trabalho também será divulgado no Counter Graphs, um grupo que estuda vieses raciais na computação e tem pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, como Harvard, Yale e Columbia. “Acredito que estamos atacando um problema mundial, que é a não representatividade de cor de pele em algoritmos computacionais. No mundo, não existem algoritmos que criem cor de pele diversa. Esse é um projeto com caráter inovador, e mostra que temos alunos na Ciência da Computação que podem produzir ciência de ponta”, destaca o professor Victor Araújo.
Autores: Laís Marques e Gabriel Damásio
Fonte: Asscom Unit
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