Vacinação de crianças despenca na pandemia e volta às aulas preocupa
Foi por medo da pandemia do novo coronavírus que a doula Yasmin de Nizo, 27, preferiu não levar a filha, Amora, para ser vacinada este ano. "Ela não tomou a vacina tríplice porque estava em falta em Ferraz de Vasconcelos (Grande São Paulo). Quando disponibilizaram, começou a pandemia e eu não a levei por medo de contaminação", diz.
"Mas agora que a pandemia não acaba nunca, estou revendo minha decisão", diz Yasmin, que teme a volta às aulas e a possibilidade de a filha adoecer na creche, onde iniciava adaptação. "Vou levá-la ao posto para vacinar e não vou deixar que ela volte para a escola."
Assim como Yasmin, não foram poucas as mães e pais que tiveram receio de vacinar seus filhos nos últimos meses, afirma a pediatra Flávia Bravo, presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações). Embora o governo tenha criado um protocolo de vacinação, com fluxo separado do atendimento de covid-19, faltou esforço para esclarecer a população sobre ele, diz. "O governo precisa reforçar a divulgação de suas campanhas no rádio e televisão, onde mais gente toma conhecimento."
O índice de vacinação de crianças no Brasil, que já vinha registrando queda nos últimos anos, despencou em 2020 durante a pandemia, revelam dados do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Embora a meta anual brasileira seja vacinar entre 90% e 95% das crianças com até um ano de vida, esse índice não passou de 61% entre janeiro e julho deste ano.
Em 2015, a média de cobertura das nove principais vacinas indicadas a essa faixa de idade esteve acima da meta: 95,8%. Nos anos seguintes, esse percentual começou a cair. Ficou em 86%, em 2016, e 87% em 2017. Em 2018, subiu para 90%, mas no ano passado a média não passou de 83%.
"A reabertura [econômica] vai chegar e a criança não vacinada retornará às ruas em meio a um surto de sarampo. E quando todo mundo voltar à escola, o que vai acontecer?", questiona Flávia Bravo, da Sociedade Brasileira de Imunizações
Vacinação em 2020
No ano passado, apenas uma vacina atingiu a meta: a tríplice viral D1, que imuniza contra sarampo, caxumba e rubéola. Já a cobertura da pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria haemophilus influenza tipo b) foi a que mais caiu: chegava a 96,3% das crianças em 2015, mas fechou 2019 em 69,6%.
Em 2020, nem uma das nove vacinas analisadas se aproximou da meta. A cobertura mais crítica é da Hepatite B: despencou de 90%, em 2015, para 51% este ano. Segundo o Ministério da Saúde, os dados de coberturas vacinais de 2019 e 2020 "são preliminares", e só estarão consolidados em 2021.
Em julho, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia alertado que a pandemia afetou a vacinação em pelo menos 68 países, colocando em risco 80 milhões de bebês. A entidade citou Brasil, Venezuela, Bolívia e Haiti como exemplos de países na América Latina em que a imunização vem caindo nos últimos anos.
Quando a vacinação está abaixo da meta, cresce o risco de retorno de doenças já erradicadas, como aconteceu ao sarampo em 2018, quando cerca de 10 mil casos foram registrados no país. Até o final de agosto de 2020, o país tinha 7.800 casos confirmados da doença.
Crianças sem vacina voltarão à escola
Para a pediatra Flávia Bravo, a queda nos índices de vacinação nos últimos anos é motivada por fatores que vão de quebras temporárias no fornecimento à queda dos índices de confiança do brasileiro na imunização. Pesquisa da revista especializada Lancet indica que ela caiu de 76% para 56% entre 2015 e 2019.
"Os postos atendem em horário comercial, alguns fecham para almoço, não funcionam aos finais de semana e feriados", explica. "E muitos estados reduziram suas equipes de agentes de saúde e fecharam Clínicas da Família, restringindo o acesso à vacina."
Além disso, diz a médica, a nova geração não conhece o risco das doenças porque o nosso programa as controlou. "Eles se perguntam 'por que eu vou tomar uma injeção se estou saudável e não conheço essa doença?'."
Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Luciana Rodrigues Silva pede ao governo que elabore estratégias para que os pais mantenham em dia a caderneta de vacinação das crianças.
Além de estender o horário de funcionamento dos postos de saúde, ela sugere "busca ativa de pessoas a serem imunizadas em locais de difícil acesso ou vulnerabilidade social". "O cuidado com a saúde das crianças é uma missão de pais e responsáveis, que devem ser orientados [pelo governo] a levar seus filhos aos postos", diz.
O que diz o governo
O Ministério da Saúde também atribui a redução na cobertura de vacinas à "falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis". Cita em nota a despreocupação dos jovens e "as falsas notícias veiculadas nas redes sociais".
O ministério também informa que, no segundo semestre, está prevista as Campanhas Nacionais de Vacinação contra a Poliomielite e Multivacinação para crianças e adolescentes menores de 15 anos.
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