Bolsonaro discursa na ONU entre desejo de diplomatas de melhorar imagem e acenos a base

Publiciado em 21/09/2021 as 06:13

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, faz nesta terça (21) o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU com o desafio de conciliar três frentes. Tentar melhorar a imagem do país (em especial nos quesitos pandemia e ambiente) e se aproximar do governo dos EUA —atendendo a apelos das alas mais moderadas do governo—, sem deixar de motivar sua base ideológica.

O presidente, que por mais de uma vez disse que ele próprio não se imunizou, deve anunciar em Nova York um projeto de doação de vacinas contra a Covid a países mais pobres da América Latina e do Caribe, como Paraguai e Haiti. Com isso, destacaria o Brasil como um país que avançou rapidamente na aplicação de doses e que, ao mesmo tempo, busca ajudar os vizinhos.

A informação de que o anúncio estaria no discurso foi ventilada por membros do governo. Até o final da tarde desta segunda (20), porém, a fala do presidente ainda estava sendo editada, para juntar propostas enviadas pelo Itamaraty, pela missão do Brasil na ONU e por integrantes do Palácio do Planalto. A expectativa era a de que a versão final fosse fechada em cima da hora.

 

Bolsonaro deve destacar também ações do governo na área ambiental, como a antecipação da meta da neutralidade de carbono de 2060 para 2050, que já havia sido anunciada em abril.

Enquanto a ala pragmática do governo pedia por moderação, nos últimos dias, o presidente prometeu que diria “verdades” em seu discurso e disse que usaria a tribuna da ONU para, por exemplo, defender o marco temporal para demarcação de terras indígenas —o tema, em análise pelo STF (Supremo Tribunal Federal), pode dificultar a criação de novas reservas, o que é criticado por lideranças indígenas e ambientalistas.
 
Neste ano, o mote apontado pela ONU para a Assembleia-Geral é justamente debater a crise climática e a recuperação dos países pós-pandemia.

Este será o terceiro discurso do líder brasileiro na ONU, e de novo há dúvidas sobre o quão fora dos padrões diplomáticos será sua fala. Em 2019, ele usou a tribuna para atacar críticos de sua política ambiental, a imprensa e países como Cuba e Venezuela. Em tom agressivo, que lembrava o da campanha eleitoral do ano anterior, disse que, antes de sua posse, o Brasil estava à beira do socialismo.

No ano passado, em discurso por vídeo (a Assembleia-Geral foi quase toda virtual, por causa da Covid), voltou ao tema. Disse que o Brasil era vítima de mentiras sobre as queimadas na Amazônia e que boa parte delas seria motivada por "causas naturais inevitáveis". Também defendeu suas ações na pandemia e acusou a imprensa de disseminar pânico sobre a doença.

Em seguida a seu discurso neste ano, Bolsonaro pode ter alguns segundos de contato com o presidente americano, Joe Biden —na campanha americana de 2020, ele abertamente defendeu a reeleição de Donald Trump, de quem é próximo. Os dois ainda não se falaram oficialmente desde a posse do democrata, em janeiro, mas o tempo de encontro no plenário não deve ser suficiente para mais do que um aperto de mão ou uma conversa breve.

Biden fará seu primeiro discurso como presidente dos EUA na ONU. O democrata é um defensor dos acordos internacionais e prometeu aumentar a integração de seu país com o mundo, ao contrário do antecessor, Trump, que defendia uma América mais isolada.

Ele, no entanto, vem sendo criticado pela política externa. Os episódios mais recentes envolvem a retirada das tropas do Afeganistão, sem boa coordenação com aliados; e a revolta da França por um acordo fechado entre americanos e britânicos para fornecer submarinos para a Austrália —os franceses tinham um acerto similar com os australianos e perderam um negócio bilionário.

Nos dois casos, Biden foi comparado a Trump por agir de modo imprevisível e priorizar interesses dos EUA.

Não é esperada uma reunião bilateral entre Biden e Bolsonaro nesta semana, mas conversas oficiais entre ministros e secretários dos dois países estão ocorrendo. Nesta terça, por exemplo, o chanceler Carlos França se encontrará com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.

As conversas podem aproximar as relações aos poucos, mas há dúvidas sobre que passos são necessários para novas parcerias de peso. O governo americano tem dito que resultados ambientais concretos serão um fator fundamental para novos acordos, inclusive comerciais.

Ao menos o turismo poderá voltar a partir de novembro, já que o país anunciou que vai liberar a entrada de turistas internacionais, desde que vacinados, de países como o Brasil.

 
 

A imunização tem sido o principal tema da viagem de Bolsonaro aos EUA antes da Assembleia. A cidade de Nova York determina que apenas vacinados possam ir a eventos em lugares fechados e comer na área interna de restaurantes. Sem comprovante de imunização, o presidente tem optado por comer ao ar livre. No domingo (19) à noite jantou uma pizza na calçada com ministros, em uma lanchonete sem mesas, e na segunda (20) almoçou em uma tenda montada do lado de fora de uma churrascaria brasileira. Ele tem evitado falar com a imprensa que acompanha a viagem.

ONU não exigirá comprovante de vacinação dos participantes da Assembleia-Geral, nem a realização de testes. Aposta em um sistema de confiança, no qual os presentes se comprometem a não estar com Covid, não ter sintomas da doença nem ter tido contato recente com infectados.

Houve ao menos um caso de Covid na comitiva brasileira. Um funcionário do cerimonial da Presidência que viajou há cerca de dez dias a Nova York para ajudar a organizar a visita teve resultado positivo em um exame no sábado (18). Não há detalhes sobre quantas pessoas estiveram com ele nos últimos dias, nem quantas delas estiveram com o infectado e depois com o presidente ou seus ministros.

A 76ª edição da Assembleia aposta em um modelo híbrido: cerca de cem líderes farão discursos ao vivo, e outros enviaram falas em vídeo. Além de Bolsonaro e Biden, estarão presentes o premiê britânico, Boris Johnson, que se encontrou com o brasileiro na segunda (20), o premiê indiano, Narendra Modi, e o presidente turco, Recep Erdogan.

A lista dos que não viajarão para o evento inclui Emmanuel Macron, presidente da França, Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha e o dirigente chinês Xi Jinping.

Os encontros nos corredores da ONU e em reuniões paralelas são importantes para azeitar relações diplomáticas, que podem gerar acordos futuros, o que estimulou a entidade a buscar um evento presencial, apesar dos riscos. Os países de líderes que não irão ao evento deverão enviar delegações, que também participarão de encontros multilaterais.

Além de Boris, Bolsonaro se reunirá com o presidente da Polônia, Andrzej Duda, ultraconservador que vem colocando em prática medidas contra mulheres e homossexuais, na manhã de terça, antes do discurso. Não foram anunciados compromissos para a tarde.

Ele deve partir de volta à Brasília de noite. Quando embarcar, já estará mais claro quais das missões ele preferiu priorizar na viagem.

 
 

 

Da Folha de São Paulo