A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (9) o texto-base da proposta de revogação de toda a legislação eleitoral ordinária, substituindo-a por um único código, com 898 artigos. Foram 378 votos a favor e 80 contra.
Entre as várias modificações debatidas a toque de caixa pelos deputados estão a censura a pesquisas eleitorais e a fragilização de normas de transparência, fiscalização e punição de políticos e partidos por mau uso das verbas públicas.
Há ainda proposta de manietar o poder da Justiça Eleitoral de regulamentar as eleições e uma quarentena eleitoral de cinco anos a policiais, militares, juízes, procuradores e promotores de Justiça que queiram disputar eleições —mas esse ponto entra em vigor somente a partir de 2026.
A Câmara deve votar nesta quinta várias emendas que pretendem alterar pontos específicos da proposta. Após a conclusão dessa etapa, o projeto segue para análise do Senado.
Para valer nas eleições de 2022, as medidas têm que estar sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro até o início de outubro, um ano antes do pleito.
A tendência no Senado, porém, é a de que a tramitação não seja acelerada.
Líderes das maiores bancadas da Casa e aliados do presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) já tinham o entendimento de que nenhuma mudança eleitoral devesse ocorrer sem um grande debate. Por isso avaliam que Pacheco deve iniciar a tramitação, para evitar críticas personalistas de que ele barrou a proposta, mas sem chances de ser votada no plenário em curto prazo.
Outro dos pontos do projeto aprovado nesta quinta pela Câmara inclui no crime de fake news eleitoral pena de prisão para quem divulgue falsas notícias com intuito, entre outros, de "atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais".
A descredibilização da urna eletrônica é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.
Em seus 898 artigos, o projeto estabelece censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevéspera da eleição.
O texto determina ainda que os institutos que fazem esses levantamentos informem um percentual de acertos das pesquisas realizadas pela entidade ou empresa nas últimas cinco eleições. O dispositivo é criticado por especialistas, que lembram que as pesquisas retratam a realidade de determinado momento, não o voto dado.
Há um destaque do Cidadania que visa suprimir do projeto a censura à publicação das pesquisas eleitorais.
A Câmara tem nas últimas semanas votado propostas que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.
Parte do pacote já foi derrotado, como a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica e a instituição do chamado "distritão", um novo modelo para eleição de deputados e vereadores.
A retomada da possibilidade de coligações nas eleições para deputados e vereadores, além de amarras ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já foram aprovadas pela Câmara e estão sob análise do Senado.
No início da votação dos destaques pela Câmara, foi aprovado um destaque do PSB para que o voto dado aos indígenas também sejam contados em dobro no cálculo para distribuição das verbas públicas entre os partidos. No texto original, a regra valia apenas para mulheres e negros eleitos.
Veja mais detalhes do projeto em votação pela Câmara nesta quinta-feira:
1 - REVOGAÇÃO DE TODA A LEGISLAÇÃO ELEITORAL ORDINÁRIA E CONSOLIDAÇÃO DAS REGRAS EM UM ÚNICO CÓDIGO
- O que é: projeto de lei complementar relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
- Estágio de tramitação: texto-base aprovado nesta quinta (9).
- Próximos passos: Após votação das emendas, segue para análise do Senado. Para valer nas eleições de 2022, tem que estar aprovado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro, a um ano da disputa
Tema
Como é hoje
Como ficaria
Pesquisas eleitorais |
Podem ser divulgadas inclusive no dia da eleição |
Só podem ser divulgadas até a antevéspera da eleição. Além disso, é preciso publicar um percentual de acertos das pesquisas feitas nas últimas cinco eleições |
Cotas de gênero e racial |
Partidos precisam distribuir as verbas públicas de campanha proporcionalmente aos candidatos homens e mulheres, negros e brancos |
Texto original estabelecia que mulheres poderiam usar cota em benefício de candidatos, e não fazia menção a cota racial. Já o texto protocolado para votação prevê a distribuição de verbas de forma proporcional a homens e mulheres, negros e brancos, além de trazer algumas inovações. Uma delas estabelece que o voto dado na mulher contará em dobro para o cálculo de distrituição das verbas públicas aos partidos |
Fundo Partidário |
Lei estabelece restrição ao uso do cerca de R$ 1 bilhão distribuído anualmente às siglas |
Partidos têm ampla autonomia para usar a verba de acordo com suas conveniências, inclusive para pagar multas eleitorais |
Prestação de contas |
Justiça analisa a prestação de contas de partidos e candidatos, aplicando punições e determinando devolução de recursos em casos de irregularidades. Prazo para análise das contas partidárias é de até 5 anos |
A análise deverá se restringir ao cumprimento de regras burocráticas. Sistema de prestação de contas é desmantelado. O prazo para análise cai de cinco para dois anos, o que eleva a chance de prescrição. A multa por desaprovação das contas partidárias não poderá ultrapassar o valor de R$ 30 mil. Devolução de verbas só ocorrerá em caso de gravidade |
Cassação de mandatos |
Políticos podem perder os mandatos caso sejam condenados por crimes como o de compra de voto |
Para que haja cassação, terá que ser provado que o candidato usou de algum meio violento para coagir o eleitor |
Lei da Ficha Limpa |
Pune com inelegibilidade políticos condenados na Justiça por órgão colegiado, que tiveram o mandato cassado ou renunciaram para escapar à cassação |
Diminui os prazos de inelegibilidade e permite novamente a políticos usar a manobra de renunciar para evitar a cassação (sem que isso resulte em inelegibilidade) |
Crimes eleitorais |
transporte irregular de eleitores, boca de urna e comício no dia da eleição são crimes |
Passam a ser apenas infração cível, punida com multa |
Resoluções do TSE |
Tribunal pode editar resoluções sobre as eleições e responder a consultas dos partidos a qualquer tempo |
Para valer nas eleições, essas resoluções terão que ser emitidas com antecedência mínima de 1 ano. O Congresso passa também a ter o poder de cassar resoluções do TSE |
Caixa dois eleitoral |
Não há tipificação específica para o crime de movimentar recursos de campanha sem informar à Justiça |
Passa a ser crime específico, com pena máxima passível de acordo de não persecução penal |
Quarentena eleitoral |
Não há |
Cria quarentena de 5 anos para que militares, policiais, magistrados e membros do Ministério Público possam disputar eleições. Regra tende a valer só a partir de 2026 |
Mandatos coletivos e relação entre partidos e movimentos de renovação na política |
Não há regulamentação |
Regulamenta o mandato coletivo. Sobre a relação entre partidos e grupos de renovação na política, deixa explícita a autonomia partidária em relação a esses grupos |
Propagação de fake news nas eleições |
Crime, com pena de detenção de dois meses a um ano ou pagamento de multa |
Pena é elevada para 1 a 4 anos, sendo acrescida de metade a dois terços se visa atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais |
Da Folha de São Paulo