Um mal-estar tamanho família no Planalto

Publiciado em 28/04/2019 as 09:06

"Começo uma nova fase em minha vida. Longe de todos que de perto nada fazem a não ser para si mesmos. O que me importou jamais foi o poder. Quem sou eu neste monte de gente estrelada?", escreveu o vereador Carlos Bolsonaro (PSL), no Twitter, na noite do último dia 22. Naquele dia, o pai dele, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), havia divulgado uma nota com uma repreensão pública ao escritor Olavo de Carvalho, após o mal-estar gerado em parte do governo pelo vídeo em que o guru do "bolsonarismo" critica os militares.

A "nova fase" prometida pelo vereador durou pouco. Na manhã do dia seguinte, o filho do presidente voltou às redes sociais com mais críticas: dessa vez, citando nominalmente o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), general da reserva. O episódio é o ápice do embate entre o núcleo ideológico, ligado à família, e a ala militar do governo. "Se ele não me quer, é só me dizer. Pego as coisas e vou embora", teria dito o general a familiares, segundo a revista Veja.

Não é um atrito isolado. Desde o início do governo, Carlos Bolsonaro já fez críticas públicas e vazou áudios de conversas privadas entre o pai e autoridades que levaram à demissão do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, advogado do presidente durante a campanha de 2018. Ele também já deu início a troca de farpas entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que atrapalhou a tramitação da reforma da Previdência, pauta prioritária do Planalto cuja economia é estimada em R$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos.

Os disparos do vereador contra Mourão, inclusive, ocorreram no dia em que o governo fez seu maior esforço no Legislativo para conseguir aprovar a reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Em entrevista ao BuzzFeed, Maia disse que pode ter "muito problema na cabeça do Carlos", sugeriu que o vereador talvez precise se "internar" e que o irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, "pode ter um momento de deslumbramento" por ter ascendido de um deputado "do baixíssimo clero" para alguém que passa a conversar com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo o presidente da Câmara, a briga entre Carlos Bolsonaro e Mourão gera questionamentos e insegurança para quem vai investir no País.

"Um embate desse tipo não é bom para governo algum. A gestão Bolsonaro tem uma particularidade em relação às demais que é uma participação tão intensa da família nas decisões de Estado como nós nunca vimos no Brasil. Os filhos do presidente não são só gestores das suas redes sociais, mas têm demonstrado poder para nomear e demitir ministros. Quando ele critica o vice dessa maneira, cria uma crise no governo. Um conflito entre a família do presidente e o vice, com ataques que acabaram recaindo sobre o conjunto dos militares em um governo repleto de militares. Isso provoca tumultos e incertezas", avalia o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Segundo Couto, essas farpas geram ruídos que são desnecessários para o governo, que precisa somar esforços para fazer avançar pautas complicadas, como a previdência. "Produz desentendimento. Não há nenhum governo em que os membros da administração queiram ser achincalhados pelos filhos do presidente. Isso causa conflitos desnecessários. Dispende-se muita energia com essas coisas e deixa-se de tocar as coisas que realmente importam para a gestão do País. E corre o risco de se isolar ainda mais. Embora exista até no Congresso alguns parlamentares que apoiam esse tipo de postura, não parece ser essa a posição predominante dentro do Legislativo", argumenta.

Para o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, Jair Bolsonaro deveria buscar um entendimento. "Acho esse episódio um horror. O presidente não se ajuda e os filhos atrapalham. Este é um bom resumo desse episódio. O Mourão faz muito bem em não se meter em barulho com um menino que só quer chamar atenção. O pai é que deveria chamar o filho. Ele está falhando ao permitir que o filho fique fazendo esse barulho. Ao dizer que não vai brigar com o filho de Bolsonaro, Mourão está sendo muito equilibrado. Esse não é um assunto que tenha grandeza", avalia.

Após três dias de ataques de Carlos Bolsonaro a Mourão, o presidente tratou de afagar o vice publicamente. Ao lado do general, Jair recebeu jornalistas para um café da manhã. Na ocasião, disse que o casamento entre ele e Mourão dura, pelo menos, até 2022. "Não tem atrito. Estamos dormindo todo dia juntos, dando beijinho a noite toda. Briga aqui é só para ver quem vai lavar a louça", comparou o presidente, rindo. "Ou para ver quem vai cortar a grama", emendou Mourão. Mesmo assim, o presidente comparou o vice a uma "sombra que às vezes não se guia de acordo com o sol". Há quem veja, na ação frequente de Carlos as digitais de um desgaste entre Jair e Mourão, que assumiu protagonismo ao comentar posições polêmicas do governo.

"Uma coisa que não está muito clara, mas é possível que explique esse equilíbrio, é o respaldo que o Mourão representa dos militares. A corporação militar, principalmente a que está fora do governo, não vai apoiar qualquer coisa. E aí não se trata de um embate entre a família Bolsonaro e o vice, mas entre a família e o sistema militar. Em princípio, esse sistema daria apoio a Bolsonaro. Mourão representa a base dos militares. Que são mais responsáveis, aprenderam com crises anteriores e com a ditadura, e, hoje, estão mais equilibrados. Não são os militares de dentro do governo que estão criando problemas. Quem está criando problema é a familia", projeta o sociólogo Aécio Gomes de Matos, integrante do movimento Ética e Democracia.

Professor da Faculdade Damas, o cientista político Elton Gomes lembra, porém, que dentre os vários núcleos que atuam dentro do governo, o mais íntimo é justamente aquele composto pelos filhos do presidente. "Eles são uma espécie de guarda pretoriana do pai. E foram fundamentais na campanha, principalmente o Carlos e o Eduardo. Foi a estratégia deles que conseguiu dar um by pass em uma das maiores dificuldades que um candidato como ele tinha, que era a falta de tempo de TV e de palanques", lembra. Apesar de repreender o escritor Olavo de Carvalho, no início da semana passada, o presidente fez questão que seu porta-voz ressaltasse que Carlos Bolsonaro é "sangue do meu sangue" e teve papel estratégico na corrida presidencial.

"Depois que chegou ao poder, esse grupo não fez parte do Palácio do Planalto, os filhos não são ministros, mas eles fazem uso de estruturas de assessorias oficiosas. Segundo consta, o Carlos Bolsonaro, que é vereador do Rio, continua gerindo as redes sociais do pai. Isso é uma coisa, embora tenha sido importante na campanha, agora tem efeitos deletérios.

O confronto com outros líderes de poderes, como Rodrigo Maia e o ministro do STF Dias Toffoli, e agora com o próprio vice-presidente da República tendem a gerar uma série de atritos que prejudicam uma articulação política que já é muito difícil. Já que o presidente busca formar uma articulação que não passa pelo antigo presidencialismo de coalizão. Quando Carlos ou Eduardoo dão declarações polêmicas, eles prejudicam esse processo de negociação. A ala militar só vai continuar apoiando o presidente se ele retirar seus filhos da vida palaciana. A leitura que eu faço é que ele tem procurado colocar seus filhos dentro de padrões.” controláveis. Agora, de vez em quando, eles saem do controle", projeta Elton Gomes.