Pesquisa da UFS analisa amplo conteúdo midiático sobre a violência contra a mulher em tempos de isolamento social

Publiciado em 07/07/2020 as 11:24

A urgência em pesquisar como se constrói o debate sobre o machismo e, mais especificamente, a violência contra a mulher em meio ao isolamento social consequente da pandemia do novo coronavírus foi a principal motivadora da pesquisa Isolamento social e machismo: um debate urgente em tempos de pandemia, coordenada pela professora Renata Malta do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe, em parceria com pesquisadoras e pesquisadores da própria instituição, da UNICAMP, UNESP e UFF. Trata-se de um estudo amplo que se propõe a compreender o teor discursivo de conteúdos jornalísticos, institucionais e governamentais, além de comentários do twitter, acerca do tema no período de isolamento social.

 

A Análise de Conteúdo, realizada com o auxílio do software WORDIJ, revelou que a violência doméstica esteve no centro das discussões, tanto em textos jornalísticos e institucionais quanto nas redes sociais. Para além da constatação do aumento da violência doméstica, chama a atenção o fato de que mais de 40% do restante do conteúdo informativo analisado apresente uma entidade ou personalidade que afiance as informações e que menos de 6% façam menção a movimentos feministas ou organizações não governamentais de defesa à mulher. Essa constatação revela que essas últimas instituições, embora especialistas em desigualdade de gênero e violência contra a mulher, são pouco ouvidas pela imprensa e por órgãos governamentais (fontes de maior aparição no corpus). Em quase 10% do conteúdo informativo havia algum tipo de crítica endereçada a instituições ou a políticos. Essas críticas foram contundentes nos comentários do Twitter, principalmente em publicações contrárias às medidas do governo federal e seu posicionamento considerado por parte dos usuários como “machista”.

 

Uma parte significativa do conteúdo informativo – pouco mais de 40% - se concentrou em apresentar ações de combate à violência de gênero, sendo quase sua totalidade centrada na violência doméstica. Especificamente sobre denúncias, cerca de 20% evidencia a importância de denunciar e informa o Disk denúncia 180, sendo que pouco mais de 3% noticiou casos de agressão contra a mulher e feminicídio associados à quarentena. A preocupação em evidenciar a importância da denúncia foi frequente nas mensagens do Twitter, dando espaço para palavras como “denuncie”, “disque” e “ligue”. Ademais, as notícias também pautaram parte dos comentários, com menções de repúdio a casos de violência física e sexual contra mulheres durante o isolamento.

 

Para além da violência, a desigualdade de gênero potencializada pela pandemia foi assunto de quase 15% do primeiro conteúdo analisado, direcionando os holofotes para duas problemáticas específicas, a sobrecarga de trabalho doméstico e a maioria de mulheres profissionais da saúde que estão na linha de frente para o combate ao vírus. Ambas as questões encontram fortes pontos de conexão, alicerçados em uma sociedade patriarcal que ora posiciona mulheres como principais responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos, ora as impulsiona a “escolher” profissões centradas no cuidado do outro.

 

Pouco mais de 8% trouxe o machismo como assunto central no conteúdo informativo, mesmo sendo essa uma das palavras-chave de busca. Esse fato fica ainda mais notável quando observamos que a menção a vulneráveis como crianças e idosos é mais frequente, com mais de 14%, equiparando a violência contra a mulher a de outros “vulnerável” e, assim, descontextualizando o machismo como fundamento. Já no Twitter, o “machismo” e a “misoginia” aparecem como causas centrais associadas à violência contra a mulher. Os usuários também apontam outros tipos de problemáticas sociais como “racismo”, “xenofobia”, “homofobia”, “lgbtfobia” e “gordofobia” associadas. Especificamente sobre as intersecções de raça e classe, apenas 2% do conteúdo informativo as considerou relacionadas à problemática de gênero, com menções a grupos considerados mais vulneráveis, como mulheres negras e indígenas e moradoras de periferia e favelas, além das trabalhadoras informais. Essa proporção demonstra um silenciamento dos pilares de dominação/exploração que se entrelaçam às desigualdades nas relações gênero no conteúdo informativo, os quais encontram espaço de debate nas redes, como se pôde verificar nas análises dos comentários do Twitter.  

 

Por fim, o estudo observou discursos que apontam a casa como lugar inseguro durante a quarentena, discutida em textos informativos e em comentários nas redes. A necessidade de confinamento traz à tona a reflexão sobre o espaço do lar como temido por uma parcela significativa de mulheres e, de forma mais profunda, o ambiente doméstico como símbolo do poder patriarcal. Se a ponta do iceberg ganhou notoriedade devido ao isolamento social e chamou a atenção de entidades mundo afora, sua base ainda precisa de debate e reflexão, ela revela um sistema de relações desiguais de gênero. Se por um lado o fortalecimento do movimento feminista no país consolida um embate mais visível e sua voz se fez ecoar em debates pulverizados nas mais variadas esferas sociais, a institucionalização de discursos machistas e misóginos afiançam a continuidade do patriarcado e sua face mais cruel, notadamente marcados pelo controle e o medo.

 

 

Fonte: Departamento de Comunicação/UFS