Documentário retrata os desafios dos imigrantes na quarentena em Sergipe

Publiciado em 30/06/2020 as 13:59

Leíde Del Carmo Navarro Ponce é da Venezuela, mora de aluguel, trabalhava com carteira assinada e perdeu o emprego durante a pandemia. “Viajei para Venezuela e quando voltei não me aceitaram no trabalho”. Sem o seguro desemprego, Leíde e a família vivem somente com o auxílio emergencial. “As vizinhas perceberam que estávamos sem ter o que comer e colaboraram. “Com tudo isso não quero mais ficar no Brasil, quero voltar para Venezuela. Essa é a meta, trabalhar para voltar para casa”, desabafa.

O também venezuelano Leonardo Andrés Pérez Márquez vive sozinho em Sergipe e não esconde o medo de pensar que a qualquer momento pode receber uma chamada ou mensagem com más notícias da família que ficou em seu país de origem. “É muito difícil estar sozinho, sem minha família ao meu lado. É preocupação e medo de alguém estar enfermo.  Sendo estrangeiro, sem ajuda do governo, não posso fazer isolamento. Tenho que trabalhar, seguindo as normas, mas não posso ficar no isolamento, senão do que vou viver?”, confidencia. 

A maior preocupação do salvadorenho Mário Enrique Domíngues é igualmente o aspecto econômico.  Ele conta que vende comida e isso tem ajudado a pagar as contas.  “A minha esposa trabalha com artesanato e está parada. Cada dia a disponibilidade em dinheiro é menor, mas estamos mantendo, aguardando a ajuda emergencial que apesar de aprovada, ainda não foi liberada. Esperamos que essa ajuda possa chegar”, disse.

“Considero que a pandemia não cortou somente os laços econômicos, sociais e políticos, também cortou a expectativa de futuro. Todo planeamento ficou suspenso, em stand by. Eu tinha planos, por causa desse momento tudo precisou ser postergado”, pontua o peruano Percy Daniel Arce Santos que é professor particular e sofreu uma queda na renda com a redução do número de alunos. 

Esses e outros relatos estão no documentário “Crise dentro de uma crise: Covid-19 e imigração”, dirigido por Herifrania T. Aragão, enfermeira, mestre e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Saúde e Ambiente – UNIT, que retrata os desafios dos imigrantes na quarentena em Sergipe.

“A ideia da produção surgiu como uma forma de tirar da invisibilidade imigrantes que estão em situações vulnerabilidade neste momento de pandemia. Como podemos verificar nos relatos, alguns perderam seus empregos por motivo de xenofobia ou estão impedidos de exercer sua profissão. Além, de não conseguir o auxílio emergencial, pois desconhecem a forma que é realizado o trâmite ou ainda faltam os documentos necessários, levando a necessidade de ajuda de vizinhos e amigos para eles e a família. Como estou diretamente realizando entrevista, percebi a importância de documentar este cenário e mostrar essa realidade para população sergipana, que muitos desconhecem, e criar uma rede de apoio”, diz.

Estudo pioneiro

O estudo de doutorado, pioneiro no Observatório das Migrações em Sergipe, lança o olhar para população de imigrantes (documentados ou não) e refugiados, com o objetivo de verificar as condições de saúde física e psicológica, e o acesso e percepção deles ao serviço de saúde do estado ou país.

“Este momento, com a Covid-19 e crise econômica, estudos mostram o quanto o imigrante está suscetível às infecções, devido a sua vulnerabilidade (social e econômica) no país de destino, além de causar, ou ainda piorar, problemas de ordem psicológica, como o transtorno de estresse pós traumáticos e outros. E, ao tirar da invisibilidade estes indivíduos, podemos potencializar a criação e melhorias nas redes de apoio migratório no estado”, revela.

Colombianos, venezuelanos, peruanos, argentinos e salvadorenhos que participaram do documentário foram identificados a partir de uma consulta ao Departamento de Imigração da Polícia Federal, onde foi informada a permanência de aproximadamente 680 imigrantes vivendo em diversos municípios sergipanos. “O banco de dados não informatizado prejudicou nessa contabilidade. Por isso foi formada uma rede de apoio informal com indicação de imigrantes que poderiam ajudar na localização, contato e residência. A partir disso, começou um trabalho minucioso para encontrá-los por meio de indicações dos próprios imigrantes ou transitando em órgãos/entidades como igrejas, praças, Cáritas, consulados, espaço laboral, de convívio e ou entidades sociais. Um trabalho árduo, já que em Sergipe eles não se reúnem em comunidades como acontece em outros estados brasileiros. Alguns imigrantes, também, são de difícil acesso em função de aspectos culturais, desconfiança, barreiras de idioma, procedimentos de legalização e documentação”, conta Herifrania.

 

Orientação

A produção do documentário contou com a orientação da profa. Dra. Cláudia Moura de Melo, do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente – PSA/Unit.

“Estamos muito satisfeitos com o efeito multiplicador do Documentário “Crise dentro de uma crise: Covid-19 e Imigração” no sentido da popularização da ciência. Com uma semana de lançamento, já recebemos feedback de sua utilização durante aulas e discussões na Unicamp, durante as aulas da disciplina “Experiências Humanitárias”, e em Alagoas, no Programa de Pós-graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas. Outro canal de divulgação utilizado tem sido no formato de trabalhos científicos em Eventos nacionais e internacionais”, conta.

A orientadora enfatiza ainda que durante o desenvolvimento do projeto e nas atividades do ‘Observatório das Migrações em Sergipe’, houve atenção também na formação de recursos humanos com ênfase no Fluxo Migratório Humano, além do nível de Doutorado, nos níveis de Educação Básica e Graduação. Até o momento já foi contabilizada a participação de alunos de Graduação da Unit e de escolas públicas de Aracaju e Nossa Senhora do Socorro. “Os alunos das escolas públicas atuam como IC-Jr (Iniciação Científica Jr) e foram responsáveis, juntamente com os pesquisadores, pelo estabelecimento de Estações de Aprendizagem nas suas escolas com o objetivo de compartilhar e difundir os conhecimentos para cerca de 1.500 alunos. Os alunos de Graduação da área de Saúde da Unit, especificamente dos cursos de Biomedicina e Enfermagem, atuam como bolsistas de IC (Iniciação Científica) juntamente a Tese de Doutorado e estão também sendo capacitados para o cuidado da saúde de imigrantes internacionais, seja na Educação em Saúde ou em Serviços de Saúde”

Assista ao documentário “Crise dentro de uma crise: Covid-19 e imigração” em   https://youtu.be/Y3uhJ6WFgSs

 

Observatório das Migrações de Sergipe

O Observatório das Migrações em Sergipe está sediado no Programa de Pós-graduação em Saúde e Ambiente da Unit (PSA/Unit) e foi criado em 2018, com fomento financeiro do CNPq e FAPITEC/SE, sob coordenação da Dra. Cláudia Melo.

A problemática do Observatório das Migrações em Sergipe emerge da necessidade de aprofundar o conhecimento acerca das configurações e especificidades que os processos migratórios internacionais e internos (nacionais) assumem nos diversos espaços do Estado de Sergipe na chamada era da mobilidade. Um dos objetivos principais é analisar as transformações nos processos migratórios internacionais e nacionais em função das diversas modalidades migratórias (motivos econômicos, motivos afetivos, motivos educacionais, refugiados políticos, refugiados ambientais, deslocamentos forçados, asilos, apátridas, êxodo rural etc.). Busca-se retirar a “invisibilidade” (real e/ou social) de grupos populacionais migratórios em Sergipe e compreender a reprodução social, dentre os acolhidos e os que acolhem, nas dinâmicas socioespaciais, econômicas, demográficas, religiosas e de saúde.

“Espera-se que os gestores, inclusive da área de saúde, também possam ter acesso e interpretar as informações compiladas pelo Observatório das Migrações em Sergipe para subsidiar a implementação de políticas públicas e/ou ações do setor privado e terceiro setor voltadas ao acolhimento de imigrantes nos âmbitos municipal, estadual e até mesmo federal, uma vez que existe uma dinâmica de fluxo migratório entre os estados brasileiros criando ‘recortes migratórios internos’”, finaliza a professora.

 

Assessoria de Imprensa  | Unit