Agenda liberal do governo cai em descrédito na Faria Lima após intervenção na Petrobras
Os principais indicadores financeiros do Brasil tiveram forte deterioração nesta segunda-feira (22), após Jair Bolsonaro (sem partido) interferir no comando da Petrobras e sinalizar outras intervenções. Foram afetados Bolsa, câmbio, risco-país, juros futuros, e houve revisão generalizada nas avaliações de bancos, casas de investimento e agências de classificação de risco em relação à Petrobras e outras estatais.
A forte reação do mercado financeiro foi interpretada como uma quebra da confiança do governo com a Faria Lima —avenida na zona oeste de São Paulo, caracterizada por abrigar grandes casas financeiras e bancos de investimentos.
Desde a campanha eleitoral, analistas e economistas do mercado financeiro mantiveram a convicção que a gestão de Jair Bolsonaro, endossada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, preservaria uma agenda mais liberal, se contrapondo aos governos petistas que o antecederam.
“A credibilidade da agenda liberal do presidente da República vai ser seriamente questionada pelos agentes do mercado e econômicos, tendo efeitos nos preços não somente da Petrobras, mas também nas diversas empresas estatais de capital aberto, assim como em outros ativos do país, como o real”, afirmou o presidente da corretora BGC Liquidez, Erminio Lucci.
Ao final do pregão desta segunda, as ações preferenciais (mais negociadas) da Petrobras fecharam em queda de 21,5%, indo a R$ 21,45. As ordinárias (com direito a voto) despencaram 20,47%, fechando em R$ 21,55.
Segundo o chefe da mesa de futuros da Genial Investimentos, Roberto Motta, essa foi a oitava vez em 26 anos que as ações da Petrobras caíram mais de 20%.
Para se ter uma ideia da agitação que tomou conta do mercado, o volume de negociações das ações da Petrobras no dia ficou em R$ 10,8 bilhões, um recorde. “O volume médio diário, normalmente, é próximo de R$ 1,8 bilhão”, diz Motta.
Na Bolsa de Nova York, as ADRs (certificados de ações negociados nos Estados Unidos) da Petrobras recuaram 21%, a US$ 7,94 cada.
O Ibovespa, principal índice acionário do país, caiu 4,86%, a 112.667,70 pontos, menor patamar desde 3 de dezembro.
O Itaú suspendeu temporariamente a classificação e valor justo atribuídos à Petrobras, enquanto revisam a cobertura da companhia.
“Revisaremos nossas previsões assim que houver mais clareza. Entretanto, sugerimos reduzir a exposição ao nome [Petrobras], pois esperamos uma reação negativa do mercado”, diz relatório do banco publicado no domingo (21).
“O impacto não é só na Petrobras, é um sinal de cautela para as outras estatais. O investidor vê a Bolsa com mais receio”, diz Arthur Spirandelli, especialista em estratégia e alocação da Acqua Investimentos.
Dentre as empresas estatais, também estiveram na mira das negociações nesta segunda Banco do Brasil, que caiu 11,64%, a R$ 28,8 e a Sabesp, do governo paulista, que recuou 4,25%, fechando em R$ 37,58.
As discussões, agora, são sobre quanto da interferência do governo deve respingar nas demais companhias de controle da União e qual será o posicionamento do ministro Guedes diante das decisões do Executivo.
Para o analista da Valor Investimentos Pedro Lang, há inclusive uma preocupação em relação às agendas de privatização e desinvestimentos do governo.
“O apoio da Faria Lima ao governo está por um fio. Ninguém acredita mais no governo. Existe uma leve esperança que alguma reforma passe [no Congresso], mas privatização, nem pensar. O problema é que Bolsonaro caiu em descrédito, e Guedes não consegue emplacar nada, não por falta de vontade, mas por falta de apoio”, disse.
No sábado (20), um dia após ter anunciado a troca da presidência da Petrobras, Bolsonaro sinalizou que que pode fazer novas intervenções. Afirmou que vai “meter o dedo na ener-gia elétrica” e prometeu mais mudanças nesta semana.
“Semana que vem deve ter mais mudança aí... E mudança comigo não é de bagrinho não, é tubarão”, havia afirmado o presidente.
A Eletrobras operou em forte queda, mas reduziu o movimento ao longo do pregão. As ações preferenciais da estatal recuaram 0,17%, a R$ 19,24 cada, e as ordinárias, 0,68%, a R$ 28,91.
“A expectativa é de ingerência em outras estatais. A expectativa do mercado é que André Brandão [presidente do Banco do Brasil] seja demitido”, diz André Machado, sócio-fundador da escola de traders Projeto os 10%.
Em janeiro, o presidente da República já teria ameaçado Brandão de demissão depois de ter se irritado com o plano de enxugamento das estruturas do banco anunciado dias antes.
Depois, em 12 de fevereiro, Brandão afirmou que tais desavenças foram um “problema de comunicação” e que, apesar de ainda não ter conversado diretamente com Bolsonaro, acreditava o presidente tinha entendido.
As ações do Banco do Brasil caíram 11,64%, a R$ 28,83 cada.
Outras estatais também foram penalizadas. As ações preferenciais da Telebras, também estatal, caíram 3,14%, a R$ 27,13. As ordinárias recuaram 4%, a R$ 72. A Sabesp, do governo paulista, recuou 4,25%, a R$ 37,58.
Em um sinal de aversão a risco do mercado e de alta da Selic no curto prazo, os juros futuros subiram.
Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimos que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.
O juro para outubro de 2023 foi de 6% na sexta (19) para 6,17% nesta segunda. A taxa para de julho de 2025 foi de 6,91% para 7,10%.
Segundo analistas, a intervenção de Bolsonaro fortalece a perspectiva de alta da Selic em março — atualmente a taxa está na mínima recorde de 2%.
De acordo com a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central nesta segunda, a expectativa para a taxa básica de juros subiu para 4% ao final de 2021, de 3,75% na semana anterior. Para 2022, a projeção para o juros foi mantida em 5%.
Outro ponto de tensão é a volta do auxílio emergencial. Investidores temem que o benefício seja aprovado sem contrapartidas fiscais, ameaçando o teto fiscal do governo em 2021.
Casas e bancos de investimentos revisaram suas perspectivas e preços-alvo para as ações da petroleira.
Nesta segunda, além de cortarem a recomendação do Brasil para neutra no portfólio de ações na América Latina, analistas do Bank of America também reduziram a exposição a companhias de controle estatal, excluindo Petrobras e Eletrobras de suas carteiras, enquanto incluiu Klabin, Cosan e Natura. “Nós gostamos do setor financeiro, comércio eletrônico, empresas de pagamentos e proteínas”, destacava o texto.
Os analistas do Credit Suisse também afirmaram enxergar maior risco para as ações da Petrobras, rebaixando as expectativas para os papéis de um desempenho inferior ao mercado. O banco também diminuiu o preço-alvo das ADRs (recibos de ações negociados nos EUA) da Petrobras, de US$ 16 (R$ 88,07) para US$ 8 (R$ 44,03).
Em relatório, os profissionais de mercado do Goldman Sachs disseram que a decisão adiciona incerteza sobre o plano de desinvestimento da companhia.
“Dado o histórico de intervenções governamentais na política de preços da Petrobras, especialmente entre 2011 e 2015, nós acreditamos que o mercado não estará disposto a dar o benefício da dúvida para a companhia no médio prazo até que as possíveis mudanças sejam melhor entendidas”, afirmaram.
Analistas do Bank of America cortaram a recomendação para Brasil para "marketweight", semelhante a neutro, em portfólio de ações na América Latina, bem como reduziram ex-posição a companhias de controle estatal, citando maior incerteza.
Em contrapartida, os analistas elevaram o Chile para "marketweight". México é agora a única região com "overweight" no portfólio, que pode ser traduzido como expectativa positiva.
As agências de classificação de risco, por sua vez, afirmaram que o rating (nota de risco) da Petrobras não muda por estar atrelado ao rating do país, mas não descartam avaliar a possibilidade de uma revisão caso o cenário mude drasticamente.
“O cenário no qual nos baseamos assume que a empresa continua com sua paridade de importação e com a política de preços estabelecida em 2016. Mas mesmo se houver uma mudança na direção da empresa e na estratégia de preços, nossas classificações continuariam a refletir as do rating soberano, devido ao seu controle acionário”, escreveram Luisa Vilhena e Felipe Speranzini, analistas da S&P.
Em nota, divulgada na sexta-feira, a Fitch Ratings afirmou que uma potencial volta das intervenções políticas na estratégia da Petrobras afetaria negativamente sua geração de caixa. “Esse ponto é particularmente importante em período de desvalorização do real frente ao dólar, que pode elevar os preços da gasolina e do diesel no país, aumentando o risco de interferência [do governo]”, disse.
Da Folha de São Paulo
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