Real sofre queda generalizada em relação a parceiros

Publiciado em 05/10/2020 as 08:31

Com a pandemia de Covid-19, o risco fiscal e a incerteza política, o real não apenas se desvaloriza frente ao dólar —descola até da cotação dos emergentes. É acentuada, por exemplo, a desvalorização em relação às moedas de parceiros comerciais.

Um indicador que leva em conta a média ponderada das taxas de câmbio dos 61 principais parceiros comerciais do Brasil, de acordo com sua importância na economia brasileira, aponta que o real se desvaloriza 24,5% neste ano.

A relação com o dólar, a mais importante, é acompanhada diariamente. Dentre todas as divisas do mundo, o real é a terceira que mais perde valor ante a moeda dos EUA, atrás apenas do dólar do Suriname e da cuacha de Zâmbia. Segundo o fechamento de sexta (2), o dólar está a R$ 5,66, uma alta de 41% no ano em relação ao real.

A alta do euro é ainda maior (47,4%), a R$ 6,66. Até o peso argentino, que se desvaloriza 22% em relação ao dólar neste ano, tem vantagem sobre o real, ficando quase 10% mas valioso, a R$ 0,07.

“Geralmente, moedas latinas caminham juntas, pois têm economias semelhantes, baseadas na exportação de matérias-primas, mas efeitos políticos pesam nessa balança e geram desequilíbrio”, diz Thomaz Favaro, diretor para Brasil e Argentina da Control Risks, consultoria de análise de risco político

Em tempos de crise, ativos de segurança como o dólar tendem a se valorizar por sua solidez. Por trás desta moeda, há a maior economia do mundo, com quase nenhuma chance de calote aos olhos do investidor. Na mesma lógica, moedas de países com economias e contas públicas mais fragilizadas tendem a perder valor.

“A desvalorização do real está relacionada à percepção do estrangeiro quanto ao crescimento do Brasil nos próximos anos e à preocupação com a deterioração das contas públicas. Havia muita confiança no fiscal e isso está em dúvida agora”, afirma Favaro.

A dívida pública brasileira bateu recorde em agosto ao alcançar 88,8% do PIB (Produto Interno Bruto) com o aumento de gastos do governo com a pandemia, e deve seguir em alta com o plano do governo de expandir o Bolsa Família, com o nome de Renda Cidadã. Até o momento, o governo aponta fontes de recursos, mas não mostra onde cortar gastos.

"Chile e Peru têm dívidas de cerca de 30% do PIB e vão para 40% neste ano. O Brasil vai para 90% e deve bater 100% do PIB cedo ou tarde. Quando você tem esse tipo de passivo, o efeito da perda de confiança é ainda maior", diz Favaro.

Os EUA também têm uma elevada dívida pública, que deve chegar a 100% do PIB em 2021, segundo estimativas do escritório de orçamento do Congresso americano. A diferença para o Brasil é que há uma maior confiança dos investidores de que o governo dos EUA irá quitar suas dívidas. ​

Neste aspecto, o Brasil estaria mais próximo da Argentina —que tem dificuldade em pagar uma dívida de quase US$ 70 bilhões— aos olhos do estrangeiro, o que leva a uma saída de capital do país.

"É uma tempestade perfeita. Temos um grande problema no mundo e vários por aqui, sendo que o maior deles é o risco fiscal. Além disso, o cenário para 2021 é ruim. Tudo isso faz o estrangeiro sair do país e indica que o real vai continuar depreciando", diz Roberto Dumas Damas, professor do Insper.

O economista também aponta a relação conturbada do governo Bolsonaro com o Congresso e entre seus próprios ministros, a crise ambiental, o elevado desemprego e a deterioração as relações com a China e com os democratas americanos, que podem chegar à Casa Branca em 2021, como fatores que impactam o real. “África do Sul, Peru, Colômbia e Chile não têm todos esses problemas”.​

 

 

 

Da Folha de São Paulo