Disputa judicial em Sergipe põe em xeque monopólio do gás no país

Publiciado em 08/06/2019 as 14:10

Uma briga judicial entre a distribuidora de gás de Sergipe, a Sergás, e a Celse (Centrais Elétricas de Sergipe) tem sido acompanhada de perto pelas empresas do setor porque poderá gerar precedente sobre os limites do monopólio das distribuidoras.

A Sergás, que tem o governo de Sergipe, a Mitsui e a Petrobrás como sócios, processou a Celse e a Agrese (agência reguladora estadual) no início de maio.

A distribuidora contesta um ato administrativo da agência que autorizou a Celse a construir e operar gasodutos para abastecer a termelétrica Porto de Sergipe 1, em Barra dos Coqueiros, a 10 quilômetros de Aracaju.

A companhia, que tem como acionistas a Ebrasil e a norueguesa Golar Power, venceu um leilão para construir a termelétrica, que será a maior usina de gás do país quando entrar em operação.

Para a Sergás, a Celse deveria pagar à distribuidora uma tarifa pelo transporte do gás natural liquefeito (GNL) que abastecerá a unidade do terminal em que o combustível chega, no litoral, até a usina.

A Celse, porém, questiona a necessidade da contratação porque a empresa se enquadraria como autoimportadora de gás, categoria de agente que importa o produto para usá-lo como matéria-prima em suas instalações industriais.

Para o presidente da companhia, Pedro Litsek, “a legislação estadual é bastante clara ao dizer que projetos como o da Celse estariam isentos de tarifa de movimentação, porque o transporte é para consumo próprio.”

A empresa usa como argumento um decreto estadual que determina que a taxa “não se aplica sobre o deslocamento de gás natural, para consumo próprio, no conjunto de instalações e dutos integrantes de terminais de GNL e gasodutos de transferência para usinas termoelétricas”.

A Sergás argumenta que a mesma norma determina que os autoimportadores só podem construir dutos quando “não possam ser atendidas” pela companhia e mediante celebração de contrato que atribua à distribuidora “sua operação e manutenção”. Por isso, pede a revogação da autorização dada pela Agrese à Celse.

O decreto da ANP (Agência Nacional do Petróleo) que deu o registro de autoimportador à Celse, emitido em outubro de 2018, também condiciona a concessão à existência de um contrato com a distribuidora “que atribua a esta última, no mínimo, a operação e manutenção das instalações e dutos”.

“Se decreto estadual diz que não preciso pagar [tarifas], não faz sentido firmar contrato não oneroso com a distribuidora. Quando fizemos a proposta para o leilão, o pagamento dessa tarifa não estava na nossa conta”, diz Litsek.

A autorização dada pela agência reguladora estadual, contudo, usou texto da ANP para isentar a Celse da exigência de contratar a Sergás. “O entendimento da ANP é que não precisa cobrar a tarifa porque o gás será usado em consumo próprio na usina, para a produção de energia, e não para comercialização”, diz o presidente da agência, Luiz Hamilton de Oliveira.

Procurada, a ANP afirma que só vai se manifestar em juízo. A Sergás não quis comentar o assunto.

Existem discussões similares em outros estados, segundo Rafael Baleroni, sócio do escritório de advocacia Cescon Barrieu. A briga da Sergás com a Celse, porém, é a primeira que envolve o abastecimento com GNL e, por isso, deve gerar precedente jurídico.

“Em projetos de energia em que não existe movimentação ampla de gás, como esse, o pagamento da tarifa seria feito por uma atividade não prestada de fato. A lei do gás diz que tem de pagar pela movimentação e pela manutenção”, afirma.

“A depender do resultado, outras termelétricas poderão questionar o pagamento de tarifa quando a movimentação do gás é feita por elas mesmas”, diz ele.

Da Folha de S. Paulo