Os Cafés do Supremo Tribunal Federal, por Gilberto Vieira

Publiciado em 26/08/2018 as 11:01

O brasileiro aderiu, definitivamente, aos costumes do “café”, não a bebida, mas os estabelecimentos onde entre um café, um cappuccino ou um latte machiatto, expõem-se idéias, discutem-se negócios, fofocas e, claro, fluem pensamentos e “filosofadas”.
Num desse cafés, dois dias após o Supremo Tribunal Federal, em apertada votação, ter “decretada” a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, eis que surge um amigo, reclamando do déficit da previdência e culpando o Juscelino e as grandes empreiteiras da época de construção de Brasília. Queria ele uma opinião sobre a possibilidade de ressarcimento aos cofres públicos pelos superfaturamentos na construção da Capital, e, daí a melhor solução para garantir sua aposentadoria sem sobressaltos.
Repeli, até grosseiramente, a maluquice mas depois, em outro capuccino fiquei a pensar. Sim, talvez isso fosse possível, afinal o STF garantiu que não teremos mais prazos para ajuizar ações de devolução de valores aos Cofres Públicos. Jogaram, eles, para a Torcida!
Um “salto triplo carpado de costas”, feliz expressão do mesmo jurista que, num ato de insensatez, afirmou a necessidade de antenar o STF com a sociedade. Não, mil vezes não, temos que antenar o Supremo com a Lei, com as regras, com a Constituição.
As regras surgem primeiro, a conceituação dos atos, em legais ou ilegais, nasce das regras, depois dela, em virtude delas. É assim a coerência, não podemos ter atos, atitudes que podem ou não ser infrações às regras a depender do “alinhamento do momento” entre o STF e a sociedade.
Agora, por exemplo, é hora de matar/prender os corruptos, os de hoje, os de ontem e os de amanhã.
Hoje, a ação de meu companheiro de latte machiatto é possível, pelo menos na teoria da Corte Constitucional.
A novel insensatez do STF sairá pela culatra; o efeito, na prática, será devastador. Criou-se mais um fator de medo, agentes públicos pensarão mais vezes em “roubar”, mas também podem paralisar suas atuações lícitas, com receio de que, a qualquer tempo, em qualquer futuro longínquo seus atos possam ser reanalisados pelos conceitos e critérios de uma época distante. Acabou-se também a pressa na apuração. Todos os operadores do direito tem pavor da prescrição explodir em suas mãos, mas agora, pra que mesmo a pressa?
Essas decisões instáveis não são exclusividade do STF; tenho visto, no meu trabalho diário, situações que ferem de morte a lógica, pedidos e decisões que subvertem tudo que estudei sobre Direito, a minha vida toda.
O advogado, a todo minuto, é questionado sobre qual o melhor caminho, a mais segura decisão, a mais eficaz defesa. Tem sido cada dia mais difícil ser positivo, aconselhar, opinar com segurança, nesta ou naquela conduta. Não conseguimos mais acalmar o coração do cliente ansioso por uma resposta firme. Já uso a máxima: “Imagine que os melhores advogados do Brasil disseram a Marcelo Odebrecht que ele não seria preso”.
Não há mais segurança na Justiça Brasileira.
No primeiro ano da faculdade, custei a entender a necessidade de alcançar a Paz Social, ainda que injustamente. Demorei a entender que “definir, definitivamente um processo” é muito mais importante do que prolongar o sofrimento, as esperanças, o acirramento de ânimos.
A simbiose entre “a injustiça de uma justiça tardia” e “mil culpados soltos a um inocente preso”, sempre foi o grande desafio do Judiciário em todo o mundo, pender para qualquer dos lados, só muito sutilmente.
E agora isso não mais existe, os herdeiros de JK e as empreiteiras da época poderão ser obrigados a ressarcir o Erário por contratos que seriam avaliados hoje, e, por certo, nas condições e critérios de hoje.
Loucura!
É preciso que os Ministros do STF saiam dos cafés, não devem se antenar com a sociedade. Esqueçam as “fisolofadas” dos “affogato” e mergulhem com toda a respiração possível nos textos legais, na Lei, na Constituição, tratem de interpretá-la, não de reescrevê-la a cada novo “café com leite” e pastel.