Gratuidade no transporte: Se um não paga o outro paga por ele

Publiciado em 14/04/2018 as 07:52

A conta para o valor da tarifa de ônibus é simples: custo total da prestação do serviço divido pelo número de passageiros pagantes dividido. Por isso, que para os casos de leis que concedam gratuidades, a Constituição Federal, a Legislação Federal e a até a Lei Orgânica do Município de Aracaju, estabelecem a responsabilidade de se apontar a fonte de custeio para o benefício - isto é, legislar delimitando de onde sairá o recurso para compensar tal gratuidade, para que isso não se reverta no bolso do próprio passageiro.


Em São Paulo, por exemplo, os gastos da prefeitura apenas com gratuidade de ônibus para pessoas com mais de 60 anos tendem a crescer 51,6% até 2030, chegando a R$ 1,24 bilhão, segundo o estudo feito a pedido do Estado pela Fundação Educacional Inaciana (FEI). No ano passado, o repasse para compensar as gratuidades somou R$ 817 milhões. Por outro lado, especialmente no caso de Aracaju, que se contrapõe à realidade da maioria das capitais brasileiras, por não dispor de nenhum tipo de subsídio para o transporte, nem mesmo para as gratuidades já existentes, a Lei Orgânica do Município atenta ainda sobre a necessidade de se fazer uma recomposição tarifária para o caso de novos passes livres.

Vejamos, meia-passagem aos domingos, gratuidade para maiores de 60 anos, gratuidade para estudantes carentes, gratuidade para portadoras de gravidez de risco e gratuidade para pessoas com doenças graves, são de fato importantes para a população, a questão é a representatividade desse custo na tarifa para o passageiro pagante e/ ou para os cofres do Município. Em seu art. 35, a Lei Federal nº 9.074/1995, que regula a outorga e as prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, estipula que a concessão de todo e quaisquer benefícios tarifários pelo poder concedente fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do serviço público concedido.

No caso da Lei Orgânica de Aracaju, em duas passagens se vê reafirmar o que diz a Lei Federal: no art. 241 (LOM) lê-se que qualquer alteração na estrutura dos componentes de custo do transporte ocasionará atualização da planilha, assim como, prevê no art. 242 que a fixação de qualquer tipo de gratuidade no transporte coletivo urbano só pode ser feita mediante lei que contenha a fonte de recursos para custeá-la, salvo os casos previstos pela própria LOM, que devem constar na planilha de custos.

A legislação, então, sempre esteve a favor do passageiro de ônibus quando considera a importância de se manter o equilíbrio econômico-financeiro dos serviços de transporte coletivo, uma vez que somente assim pode ser assegurada a prestação do mesmo. E considerando a atuação do Poder Judiciário, dentre as várias decisões contrárias às tentativas de se legislar quanto às gratuidades mas indo de encontro ao que determina a Constituição, a mais recente foi a da Ministra Cármem Lúcia (atual presidente do Supremo Tribunal Federal), que, em 2016, declarou inconstitucional uma Lei Municipal que criou gratuidade para os maiores de 60 anos. A ministra apontou como errônea a iniciativa do Legislativo.

Não obstante, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, pesando também a inconstitucionalidade, chegou a vetar Projetos de Lei de Vereadores de Aracaju, que tratavam de novas gratuidades, mas não sinalizavam a fonte de custeio. Um desses vetos foi derrubado pela Casa Legislativa – o veto ao Projeto de Lei N° 102/ 2017, que determina gratuidade a pessoas acima de 60 anos. Atualmente, 70% dos habitantes de Aracaju e da região metropolitana utilizam o ônibus como seu principal meio de transporte, no acesso aos demais serviços essenciais. Como será o reflexo para esses passageiros diante dessas novas gratuidades no transporte que não apresentam fonte de custeio? E como será para o serviço do transporte público em Aracaju? Quem pagará essa conta?