A luta pela democracia é a luta pela sobrevivência, aponta Cláudia Giannotti

Publiciado em 07/03/2018 as 23:08

A jornalista, historiadora e professora Cláudia Santiago Giannotti deu uma verdadeira aula de história sobre a participação das mulheres na luta pela democracia, durante audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira, 07, na Assembleia Legislativa de Sergipe. A realização é da Comissão de Direitos Humanos da ALESE, por iniciativa da deputada estadual Ana Lúcia.

Cláudia trouxe a reflexão sobre a democracia enquanto elemento do cotidiano e das relações sociais, marcadas pelo machismo e outras formas de preconceitos. “A mulher luta pela democracia no Brasil na América Latina o tempo todo, porque lutar pela democracia para as mulheres não é uma condição, é uma necessidade de vida. A luta pela democracia é a luta pela sobrevivência. Nós precisamos desnaturalizar o machismo”, destacou Cláudia, que é militante e pesquisadora sobre a memória da história de luta das mulheres e desenvolveu trabalhos na formação e organização das mulheres que atuam em diferentes movimentos.



Para ela, a imposição dos papéis sociais contraria a lógica da liberdade e, portanto, da democracia. “A democracia nos é negada logo que a gente nasce, quando decidem que a gente vai usar cor-de-rosa. Quando a gente ganha nossos brinquedos vai se estabelecendo nossa subjetividade e determinando qual vai ser nosso papel na sociedade: se no espaço público ou privado. A gente vai crescendo e não tem o direito de usar a roupa que a gente escolhe”, exemplificou, defendendo que as mulheres precisam efetivamente ter o direito a decidir sobre os próprios corpos.



Como mulheres fundamentais para a superação do machismo e para o avanço da democracia, Claudia apontou Frida Kahlo, no México; Edith Lagos, no Peru; as avós da Praça de Maio, na Argentina; Micaela Batista, no Peru; as mulheres que lutaram na guerrilha do Araguaia; e as que atuaram nas comunidades eclesiais de base, que lutaram pelo processo de redemocratização. “São inúmeras as mulheres que fizeram a história do nosso tempo”, finalizou.

Cláudia destacou que a instituição do Dia Internacional da Mulher no dia 8 março se deu por meio da luta das mulheres socialistas, através de greves das mulheres trabalhadoras. “Várias greves aconteceram no período de 1850 a 1902, quando efetivamente a data foi instituída”, explicou. Entre tantas greves, conta Cláudia, uma se destaca pela importância histórica: No dia 8 de março de 1917, as tecelãs russas foram às ruas pedir Pão e Paz. Foi a greve que deu início à revolução socialista na Rússia, um dos eventos mais importantes do século XX.

Feminismo e resistência ao golpe

A professora Ângela Melo, diretora da CUT Nacional, reforçou a ideia de que a democracia é necessária para a sobrevivência da mulher, principalmente considerando o difícil cenário pelo qual o país passa neste momento, pós golpe, marcado pelo estado de exceção em que as mulheres estão profundamente prejudicadas com a retirada de seus direitos, conquistados ao longo de décadas.

“Precisamos reinventar novas formas de luta, de buscar nossos direitos - que nos foram roubados - e avançar nas nossas pautas. Neste momento de golpe, nós também estamos assistindo o avanço do conservadorismo, daí a importância de se discutir a democracia, com o pano de fundo da luta de classes”, avaliou a professora e militante sindical, ressaltando que as mulheres e crianças negras e da periferia são as camadas da sociedade mais atingidas por estes retrocessos, em nome do grande capital.

Feminismo intersecional

A Diretora de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania, Lídia Anjos reforçou a necessidade de se construir um feminismo seccional, sintonizado com outras pautas que levam em consideração aspectos econômicos, étnicos-raciais, geracionais, de orientação sexual e identidade de gênero, etc. “O feminismo não pode ser deslocado da luta de classes, sobretudo neste momento de desmonte e de ataques a democracia”, refletiu.

Lídia chamou ainda a atenção para a necessidade de as mulheres ocuparem os espaços de poder na política. “Não basta ser mulher na política para me representar, mas é preciso estar atento a estas pautas que visam a desconstrução e a desnaturalização do machismo”, alertou. “Talvez se tivéssemos mais mulheres na política não estaríamos passando por momentos tão difíceis”, completou a professora e historiadora Denilsa Santos.


Moção de repúdio

Durante a audiência, a presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, Dra. Adélia Pessoa, denunciou e mostrou sua consternação com a realização do Seminário “ADPF 442 e as novas investidas contra a vida humana intra-uterina”, quando a questão do autoaborto será discutida numa perspectiva contrária à defesa do direito ao controle do próprio corpo à mulher, sem que haja qualquer espaço para o contraditório. Além de ir de encontro à concepção do Estado Laico, o seminário acontece numa data simbólica, Dia Internacional da Mulher, quando todas as atenções do movimento feminista são voltadas para as atividades alusivas à data.



O que motivou o debate foi a apresentação no Supremo Tribunal Federal de pedido de liminar formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, segundo o qual os artigos 124 e 126 do Código Penal - que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização - violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal. “Há mais de 3 milhões de abortos no Brasil. Nós, mulheres, não aceitamos que o estado de Sergipe se coloque como defensor da criminalização do aborto e da mulher”, apontou Dra. Adélia Pessoa.



Diante disso, as mulheres presentes aprovaram a realização de uma Moção de Repúdio à Procuradoria Geral do Estado pela realização do Simpósio.

Lançamento do livro

Na ocasião, foi lançado em Aracaju o livro "Mulheres Capelenses em Destaque", da professora e historiadora Denilsa de Oliveira Santos. Ao resgatar as vivências e contribuições de mulheres vanguardistas, a obra provoca a reflexão acerca da dimensão da contribuição feminina na produção intelectual, nas artes, no acolhimento familiar e em todas as áreas da sociedade, que é frequentemente ocultada por uma sociedade altamente patriarcal machista.