Metais pesados contaminaram rio Paraopeba

Publiciado em 10/02/2019 as 07:41


Duas semanas após o rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, administrada pela Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, as autoridades governamentais ainda não conseguiram apresentar um plano estratégico para impedir que a lama de rejeito de minério alcance o rio São Francisco, o mais importante da região Nordeste. Um de seus mais significativos afluentes, o rio Paraopeba, já foi contaminado. Uma alta concentração de metais pesados na água foi confirmada em boletim divulgado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). 

“As Secretarias de Estado de Saúde (SES), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad); e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), baseado no monitoramento de qualidade de água-bruta realizada pelo Governo de Minas no rio Paraopeba, após o rompimento da barragem B1 (mina do Feijão em Brumadinho) mantêm em vigor a recomendação de que a água-bruta do rio Paraopeba não seja usada pela população”, diz o pronunciamento. A expectativa é de que, nos próximos 15 dias, os rejeitos alcancem a Usina Hidrelétrica de Três Marias.

A orientação de não se utilizar a água-bruta do rio é válida para qualquer finalidade: humana, animal e atividades agrícolas. “A contaminaçãopor metais pesados é diferente, por exemplo, de poluição de esgoto. Em contato com o organismo da pessoa, pode desencadear problemas neurológicos. A gente tem que ter um contato diferenciado, tem que estar avaliando os índices de contaminação. E a partir daí, buscar soluções”, explica João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação João Nabuco. 

Entre os metais encontrados na lama está o mercúrio. Em casos de intoxicação aguda, surgem lesões na boca, fígado e nos intestinos, podendo levar à falência renal e com forte efeito no sistema nervoso. A pessoa se torna irritada, paranoica e sofre de tremores. Após a ingestão, pessoas contaminadas apresentam sintomasiniciais como vômitos e a diarreia. 

O chumbo, também encontrado na lama, é um veneno que se acumula no organismo humano, em especial nos ossos. Ele interfere na produção de sangue, no sistema nervoso e no funcionamento dos rins. Os sintomas da intoxicação incluem insônia, alucinações, cegueira, obstrução intestinal e coma. “Exposta de forma prolongada, pode favorecer o desenvolvimento de certos tipos de câncer, principalmente o de pulmão e as leucemias. A população precisa estar esclarecida e não ingerir essa água. Ou lavar roupas, tomar banho, cozinhar alimentos, usar em plantações. Nada disso é adequado, em nenhum nível”, alerta o médico oncologista Eriberto Junior. “O indicado é que as pessoas das áreas atingidas, que apresentem qualquer sinal de mal-estar repentino, que não existia antes, procurar o posto de saúde e emergências.”

O último boletim do IGAM com os índices de contaminação mostrou maiores concentrações de chumbo total e mercúriototal na estação de captação da Copasa em Brumadinho, distante 19,7 quilômetros da barragem. Também em outro ponto, o Fecho do Funil, localizado a 24,2 quilômetros do local do desastre. As concentrações dos dois metais constadas foram de 21 vezes o valor do limite permitido pelas normas ambientais, de acordo com o Instituto. “A hidrelétrica de Retiro Baixo pode conter praticamente toda essa lama, porque os níveis de lá estão bem baixos. Mas há um agravante: a área está em período chuvoso. Tem chovido muito por lá. Essa lama vai se diluir na água e esse material diluído vai descer e continuar com o percurso até sair na Três Marias, que é no Rio São Francisco”, acrescenta João Suassuna. 

“A Três Maria tem uma represa muito grande, com 19 bilhões de metros cúbicos de água, e está com a metade da capacidade. Isso significa que a diluição vai ser maior ainda. Mas não podemos deixar esse problema de lado. A gente tem que continuar avaliando a água para determinar os índices de contaminação”, continua o pesquisador. “Se começar a elevar esse nível de contaminação de metais pesados naquela água, deverá existir uma ação para saber como trabalhar para que essa água possa ser consumida. A palavra de ordem é monitorar”, contou o Suassuna. De acordo com ele, a expectativa é de que nos próximos 15 dias os rejeitos cheguem até Três Marias.

Além de chumbo e mercúrio, foram encontrados elementos como níquel e cádmio, todos acima dos valores que podem ser tolerados para consumo humano. A reportagem procurou a Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos de Pernambuco, que informou que por se tratar de um rio federal, a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac) tem monitorado o tema junto à Agência Nacional de Águas (ANA). 

A ANA, por meio de boletim, disse que a análise feita pelas entidades estaduais e federais que monitoram a qualidade da água no Rio Paraopeba “aponta o decaimento da concentração” dos metais pesados no manancial. Lembra que “comportamento semelhante foi apurado no Rio Doce, por ocasião do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. "Deve-se mencionar, ainda, que a ausência de precipitações significativas nos primeiros dias após o rompimento da barragem colaborou para a baixa velocidade de propagação da frente de sedimentos e para sua deposição no leito do rio", diz.

"Todavia, com a ocorrência de chuvas, poderão ser registradas alterações no comportamento até agora observado, em decorrência da lavagem e novos aportes de rejeitos localizados na própria barragem e na bacia de drenagem localizada a jusante do local do rompimento. Trata-se, portanto, de um desastre complexo cujo desenvolvimento no tempo e no espaço precisa ser monitorado de forma que se possa avaliar todos os desdobramentos para a bacia hidrográfica."